A tríade do agrado a Deus: Conhecimento, fé e desapego

O conhecimento, dentro da área espiritual, pode ser equiparado a uma espada, mas ao mesmo tempo um escudo na trilha que leva aos caminhos de Deus. A fé, é o combustível que alimenta a direção deste caminho e o desapego é a certeza, e ao mesmo tempo a tranquilidade necessária para traçar este caminho cheio de desafios.

Como tomador de norte da direção, quem atualmente está no comando, nosso raciocínio e intelecto, para a maior parte das pessoas, precisa estar à parte do conhecimento de onde viemos, para onde vamos, qual tarefa essencial de nossa jornada na Terra, a fim de determinar os rumos diante de qualquer empecilho. É difícil, diante do emaranhado de informações que temos na atualidade discernir aquilo que pertence somente à terra e está fadado à decomposição daquilo que é puro e leva aos planos mais leves da criação.

Paulo de Tarso, antes de se tornar apóstolo, era considerado um dos homens mais proeminentes em termos de conhecimento na região a qual morava, um doutor dentro da cátedra a qual participava, mas nem por isso seu coração não esmorecia ao perseguir cristãos na sina de apedrejá-los, esquartejá-los, açoitá-los, assim como outros romanos que entregavam estes pobres aos leões.

Na época atual não é difícil encontrar os Paulos sob o teto de diversas filosofias e crenças, arrogando-se donos da verdade, com palavras de mel mas cujos corações têm fel.

O conhecimento torna-se muito facilmente objeto de adoração da pessoa e daqueles que o enxergam, instigando vaidades e exigindo reconhecimentos que são nulos perante a espiritualidade, conhecimento o qual, na verdade, traz mais responsabilidades, por isso o dito, quanto mais é dado, mais é cobrado.

O conhecimento, ainda com o exemplo de Paulo, só tornou-se útil quando, aproveitando o ardor e dicção que eram típicas do Apóstolo, eram eivadas com verdadeiro serviço ao próximo, visando sua elevação moral e espiritual.

O conhecimento, por si só, pode ser adquirido ou aprendido por meio de outras pessoas, por livros, palestras, filmes e vídeos, mas o que realmente vai importar, ao final das contas, é a sabedoria, que é a soma dos conhecimentos com o tempo e experiência adquirida por meio e através do conhecimento. O discernimento e a sabedoria são, portanto, triunfos de quem já testou em si e no meio em que vive o conhecimento teórico com o cotidiano, temperados com outros elementos como a fé e o desapego.

Neste ponto de vista, é errôneo afirmar que a pessoa que lê mais ou que passa mais horas diante de cursos ou temas espirituais necessariamente é mais sabido, uma vez que nosso espírito assimila algo depois de visto e experimentado por meio da repetição, do reforço, caso contrário o próprio cérebro descarta, pois não absorve 100% do conteúdo de uma só vez.

A caridade por exemplo pode e deve, depois de entendida por meio de terceiros, ser colocada em prática no laboratório da vida humana, por meio de gestos, palavras, doações ou qualquer outro meio que esteja disponível à pessoa, só então ela passa a entender realmente o significado da caridade. 

Isto serve para qualquer virtude, como bondade, misericórdia, desapego, fé, amizade, companheirismo, honra, boa fama, dignidade, confiança entre outras.

A fé, no espiritismo melhor definida como fé raciocinada, nos remete a ideia de que a crença, um sinônimo de fé, têm validade se tiver embasamento científico, lógico e portanto certo. Ora, então há como ter fé em coisas que não fazem o menor sentido? sim.

Há aqueles que imolam seu corpo na esperança de estarem fazendo algo agradável a Deus, esfolam seus pés em trajetos pedregosos e sem fim, doam partes do seu corpo com a fé, não bem revelada, de terem um cantinho no céu, desdenhando leis da natureza do nascer, crescer e morrer. Por outro lado, quem consegue visualizar o que acontece no íntimo do Ser Humano e ver suas reais intenções em algo aparentemente ignóbil?

Por isso a fé, em termos espirituais, é algo muito particular, quem compete a Deus realmente, se aproximar ou não de uma pessoa em particular ou coletivamente em função da fé. A fé também pode ser vista como um tipo de convicção, ardor, algo que se faz com emoção, entusiasmo, é o fogo que arde sem se ver.

Enquanto o conhecimento pode ser equiparado à direção de um carro, a fé seria o motor que leva adiante os desígnios da razão.

A emoção têm esta característica de burlar ou suplantar até mesmo o que a razão determina. É sabido que os primeiros cristãos, mesmo correndo risco de vida, burlavam as proibições romanas dos encontros com seus pares, encontros esses que se davam em porões e espaços escondidos para não chamar a atenção. Estes primeiros cristãos se falavam às vezes por meio de  códigos, o peixe, que era o sinal cristão, dado que alguns dos primeiros apóstolos eram pescadores.

A fé no cristão pode se manifestar como aquela dos primeiros seguidores de Cristo, não no sentido de serem subversivos ou contrários à ordem, mas sim no sentido da emoção ou calor interno, que é adquirido por meio de oração, vigília e reflexão irrestrita, além do constante olhar para o alto. A fé raciocinada não pode, neste sentido, ser desequilibrada, para não se tornar fria e sem graça, puramente intelectiva, vê-se que a palavra raciocinada é um adjetivo da palavra fé, portanto uma qualidade, não um fim por si mesma.

A fé, no sentido de esperança e crença nos desígnios de Deus não é algo fácil de se adquirir uma vez que, em geral, vivemos embebidos da materialidade, dos prazeres que a carne oferece, nos fazendo esquecer que a realização final não se dá nesta Terra.

O “Amai a Deus sobre todas as coisas” ou seja, depositar Nele a esperança de um mundo melhor, querer Ele por perto, ouvir o que Ele, têm a dizer, tentar entender a vida da maneira Dele, num sentido tal que possamos, quem sabe um dia, ser uma extensão de Sua graça na Terra pode ser tão emocionante como o amor de um pai ou de uma mãe por um filho, que dão a vida por eles. A fé têm estas dimensões que englobam a lógica de fazer o que é certo, mas a emoção em poder até fazer o que é errado, sob ponto de vista alheio, mas ainda certo sob ponto de vista inalcançável do criador.

A imagem da fé dificilmente pode ser reduzida a uma estátua ou imagem, embora o ajuntar das mãos no peito ou quando vemos as lágrimas rolar nas faces do cristão nos remetem a ideia de que algo sagrado ocorre no íntimo do seu coração, compatível com uma ligação puramente espiritual.

 O desapego, na tríade dos pilares de como ser agradável à vista de Cristo é um elemento que supera a questão da pobreza material em si, ela engloba a questão da identidade com o corpo, com a profissão, com o papel na sociedade, como elemento de família entre outros.

Quando levamos em consideração que somos somente atores temporários no grande palco da vida humana, cujo roteirista é Deus, o criador de tudo o que é visível e invisível e que por meio de sucessivas encarnações desempenhamos papéis diversos com a finalidade de desenvolvimento das qualidades e talentos, fica pequeno afirmar que o desapego material, somente, seria suficiente para compreensão do amor e da bondade divina.

Não é difícil entender que, atualmente, o apego ao sensualismo, à comida, ao palpite sobre coisas que não entendemos, que é uma faceta da vaidade, formam obstruções que nos impedem de reconhecer a nós mesmos e nos coloca diante de situações vexatórias, indignas do Ser Humano. 

O romance espírita Ninguém é de Ninguém, de Zíbia Gasparetto mostra o desespero de Roberto que, após ficar desempregado, começa a viver com ciúmes pela esposa, a qual têm filhos para criar, todo o desenrolar da história, os pensamentos que surgem neste marido ciumento, fazem com que se desmorone sua vida financeira e matrimonial, uma vez que a mulher, sem o ter definitivamente o comportamento que ele imagina, acaba com o tempo verificando que este é na verdade fraco, pois não consegue se levantar das dificuldades que a vida lhe oferece.

O Ciúme é uma variância do apego, da identificação com os papéis que viemos desempenhar na encarnação terrena.

Quando Pôncio Pilatos lavou as mãos no sinédrio, não se importando com a morte do maior dos inocentes que foi Jesus Cristo, o único fator que o levou a continuação do processo de assassinato do cordeiro foi sua identificação com o cargo o qual ocupava, que lhe conferia poder e status. É certo que o povo judeu, representando naquele ato toda a humanidade, já tinha o condenado, uma vez que ameaçava denunciar Pôncio Pilatos à Roma, caso não entregasse Jesus. Por isso fez a pergunta: “Quereis que solte barrabás, o ladrão e assassino ou Jesus, que se auto declara Rei?” então o próprio povo disse que preferia solto Barrabás, além do mais, o próprio Cristo afirmou, na ocasião? “não é mais culpado aquele que me enviou até aqui” se referindo a seu discípulo a Judas que apresentou a queixa aos superiores da época.

A identificação com o papel familiar também pode ser um empecilho aos caminhos que levam ao Divino, quando, em Mateus podemos ler: ‘Falava ainda Jesus à multidão quando sua mãe e seus irmãos chegaram do lado de fora, querendo falar com ele. Alguém lhe disse: “Tua mãe e teus irmãos estão lá fora e querem falar contigo”. Quem é minha mãe, e quem são meus irmãos?”, perguntou ele. E, estendendo a mão para os discípulos, disse: “Aqui estão minha mãe e meus irmãos! Pois quem faz a vontade de meu Pai que está nos céus, este é meu irmão, minha irmã e minha mãe”.

Assim vemos que a própria Maria, naquela encarnação maravilhosa de poder gerar o tesouro Divino, demorou muitos anos para reconhecer a missão de seu filho, tendo reconhecido, na verdade, muitos anos mais tarde, somente na data da crucificação, quando ela via que não poderia mais olhar para ele como filho, já que seu corpo terreno estava sendo flagelado até o fim.

O desapego, em suas nuances, pode ser trabalhado com a identificação com a caridade, amor abnegado, visão espiritual, reconhecimento da imortalidade da alma, de como somos meros passageiros nesta vida, a qual se torna bela na medida em que apenas deixamos o fluxo da vida correr livremente, na confiança de nos guiarmos por Cristo e seus ensinamentos.